O multi-homem possível

Ser multitarefa virou exigência básica para trabalhar. Mas, por trás desse lugar-comum, há mais de uma maneira de realizar muitas coisas

Ler um anúncio de vaga de emprego transformou-se em uma atividade das mais angustiantes. A descrição de funções de alguns cargos chega a sufocar. Veja, por exemplo, o que o Facebook exige dos candidatos ao cargo de executivo de contas de clientes para a américa latina, com base em São Paulo: desenvolver a estratégia de vendas, estabelecer metas para vendedores, dar apoio a projetos da matriz e comunicar resultados claramente. São 14 responsabilidades ao todo.

Quando alguém se depara com uma vaga como essa, logo lembra que hoje o mercado valoriza o chamado profissional multi- tarefa, aquele capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo — afinal, só assim para dar conta do trabalho.

Ao notar o pavor que seus alunos expressavam diante da necessidade de se desdobrar em muitos, a pesquisadora Keri Stephens, professora de comunicação da universidade de Austin, no Texas, decidiu aprofundar-se num estudo sobre o assunto, publicado em janeiro deste ano. após analisar 63 estudantes da instituição em dois grupos focais, Keri identificou que as pessoas se comportam de três maneiras distintas na hora de lidar com atividades no trabalho.

Há aquelas capazes de realizar várias coisas ao mesmo tempo; as que assumem muitas tarefas e as organizam em sequência, fazendo uma de cada vez; e aquelas que pre- ferem concentrar-se em uma coisa só. “o importante é descobrir qual é o seu estilo”, diz Keri, explicando que conhecer o próprio perfil permite ao profissional escolher melhor seu emprego e levar uma vida mais produtiva e menos estressante.

Pouca gente se encaixa, segundo a pesquisadora, na imagem popular do multitarefa, aquele que de fato faz tudo ao mesmo tempo. A maior parte (45% dos entrevistados) de- clara a preferência por ter tarefas múltiplas, mas acaba optando por organizá-las em uma fila. São os multitarefa sequenciais. “Esse é o tipo dominante”, diz Keri. Os participantes da pesquisa eram jovens estudantes universitários, justamen- te os que são mais estimulados a fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Mesmo entre eles, ficou eviden- te o desconforto com a exigência de se desdobrar em papéis diversos. Resta o monotarefa, profissional que busca a perfeição numa única atividade.

Esse gosta de dedicar dias (ou até meses) a um trabalho. Para esse grupo, o uso da fantasia de poliva- lente significa um consumo altíssimo de energia — é quem mais sofre com o predomínio do padrão multi- tarefa. Para esse perfil, o destino parece ser o trabalho solitário, típico de especialistas. “São funções que exigem concentração”, diz Keri.

Fábio Nabozni, de 37 anos, gerente nacional de vendas da Novartis, e Maria Priscila Alves, de 30 anos, diretora da agência de comunicação Mapa, são casados e demonstram preferência por trabalhos de ativi- dades múltiplas. A forma como fazem isso, porém, é diferente. Ela toca tudo simultaneamente. “Faço várias coisas ao mesmo tempo para não deixar nenhum trabalho pen- dente”, diz Maria Priscila. Já Fábio se encaixa no perfil do multitarefa sequencial”.

Programo o dia para fazer uma coisa de cada vez e delego tarefas para não deixar nada incompleto” diz Fábio. Cada tipo de profissional tem seu lugar no mercado de trabalho. O multitarefa simultâneo é mais voltado para a troca de informações e ideias, a colaboração e a interação. Do sequencial é de se esperar maior análise, planejamento e decisões estratégicas. Os monotarefas costumam ser bons em funções que exigem alto nível de especialização, precisão e paciência e, em tese, devem ficar longe de cargos de gestão.

“Há oportunidades para diferentes perfis em diferentes tipos de emprego e de empresa”, diz Beatriz Collor, responsável pela área de recrutamento e seleção da Crossing BPI, de São Paulo, que procura evitar o discurso-padrão de que bom é o multitarefa simultâneo. “Banalizou-se a ideia de que todos precisam de um profissional multitarefa, o que não é necessariamente verdade”, afirma Beatriz. A headhunter menciona que recentemente contratou um especialista em impostos para uma multi- nacional europeia.

O profissional era totalmente monotarefa, metódico e acostumado a trabalhar só, tanto que pediu uma sala isolada. Semanas após a contratação, o RH da empresa reclamou, dizendo que o especialista falava baixo e era introspectivo demais. Beatriz con- cordou. “Foi justamente por isso que o escolhi”, diz ela. A organiza- ção ficou com ele.

Para quem almeja cargos de gestão, no entanto, a capacidade de executar múltiplas atividades é de extrema importância, pois é necessário administrar entregas de outros profissionais. “A tendência é que essa competência seja cada vez mais requerida e exigida de executivos”, diz Bárbara Will, diretora de recrutamento da Business Partners Consulting. Um exemplo extremo e bem atual são os executivos de startups e de companhias que estão iniciando operações no país, lugares em que o negócio ainda não foi estruturado em torno de processos e áreas. “O mesmo profissional toma decisões estratégicas enquanto sai para escolher carpete”, diz Bárbara.

A evolução tecnológica é apontada como um dos fatores para o aumento do número de atividades no trabalho. Redes e equipamentos de comunicação facilitam a troca de informações, mas as atividades ainda levam tempo para ser executadas. Só que as empresas atropelam os prazos constantemente. “Trata- se de um paradoxo organizacional”, diz Dulce Penna Soares, professora do departamento de psicologia da Universidade Federal de Santa Ca- tarina. “Se o chefe pede para resolver um problema e você se recusa porque tem de terminar um relatório, ele acha ruim”, afirma ela. “Mas, se não terminar o que já está fazendo, você também será considerado incompetente”, diz.

Respeito ao ritmo

Adotar um ritmo diferente do pessoal vai levar à insatisfação profissional. Por isso, é preciso tomar cuidado. “Para conquistar uma vaga, as pessoas tentam reproduzir o discurso- padrão do mercado e declaram ser uma coisa que não são”, diz Erika Falcão, consultora da Tríade, empresa de recrutamento do Rio de Janeiro, que pesquisa o trabalho e novas tecnologias na Pontifícia Universida- de Católica do Rio de Janeiro. O gerente de marketing da Softplan, Marcelo Silveira, de 40 anos, mudou o rumo da carreira para encontrar seu ritmo. Deixou uma rotina de professor universitário e consultor de empresas para assumir um emprego fixo de executivo.

“Cansei de corrigir provas enquanto atendia clientes e de fazer projetos enquanto aplicava provas”, diz. Por três meses, foi capaz de manter uma rotina dedicada ao marketing. Com o tempo, a vida monotarefa começou a parecer preguiça. O remédio foi voltar a se envolver em projetos de outras áreas para calibrar a dose exata de multiplicação. “Agora estou satisfeito”, diz Marcelo.

Vale lembrar ainda que, ao longo da carreira, um profissional provavelmente vai se deparar com deman- das variadas, desde as que exigem máxima concentração até os ambien- tes mais dispersivos. Ainda que você identifique seu perfil, é importante entender como reagir em território inimigo.

“O multitarefa tem de ser ágil, mas não pode deixar de lado a profundidade quando o trabalho requer isso”, diz Augusto Puliti, diretor de consultoria da Michael Page. Em muitos casos, será preciso saber a hora de vestir o uniforme de multi- tarefa simultâneo, sequencial ou até monotarefa. E isso só vale até o próximo e-mail chegar.