Blockchain pode promover uma profunda disrupção em vários negócios

Mais do que apenas uma tecnologia inovadora, convém olhá-lo como uma estratégia. E, não considerá-lo, em absoluto, um projeto de TI, mas um projeto que vai afetar o futuro dos seus negócios

Cezar Taurion (*)

Fonte: CIO from IDG em 03 de outubro de 2016

Venho pesquisando e estudando o assunto Blockchain já algum tempo. Para mim está claro que o mais importante é pensar no potencial disruptivo que ele oferece, que se concentrar na tecnologia em si. Blockchain não é um produto que você simplesmente liga e ele começa a funcionar. Seu potencial está no que ele pode oferecer para que novos e inovadores produtos e serviços sejam construídos. Hoje já exploramos o potencial dos apps e das inúmeras inovações possibilitadas por eles, sem nos preocuparmos com a complexidade do que é necessário para um app funcionar no seu smartphone. A mesma coisa vale para Blockchain. Os meandros e desafios de navegar na sua tecnologia, ainda incipiente, é uma tarefa para os desenvolvedores, mas os CEOs e CIOs devem se concentrar nas possibilidades potenciais que o Blockchain pode gerar.

Já escrevi cinco artigos sobre o assunto, que podem ser lidos a partir daqui e que eventualmente ajudarão a formar um quadro mais completo. Nestes últimos meses, as inúmeras conversas que tive com executivos, sejam CIOs e de C-level de negócios, me passou a percepção que já existe, entre alguns deles, um consenso que Blockchain pode promover uma profunda disrupção em vários negócios e não apenas nas instituições financeiras.

Para perceber seu potencial, é preciso compreender seus conceitos, filosofia e princípios. Não se prenda às restrições atuais. É como aprender a dirigir um carro. Depois que você aprende (no caso, entende os princípios de Blockchain), você deixa de ter limites de até onde poderá ir.

Blockchain nos fornece uma nova maneira de estabelecer confiança entre transações no mundo digital, uma vez que, com ele, é possível assegurar que alguma coisa é a cópia original de algo na Internet.  Uma vez que a informação é gravada em um Blockchain é impossível voltar e mudá-la retroativamente. Ao registrar as transações como uma atividade automatizada confiável entre os pares em uma rede, Blockchain tem potencial para simplificar e acelerar os processos de negócios, reduzindo ou eliminando intermediários como autoridades centralizadas. É um novo pensar, que rompe com os paradigmas atuais que demandaram a criação e negócios como tabeliões, bancos e entidades certificadoras. Desafia muitos dos atuais modelos de negócio.

Don Tapscott e seu filho, Alex Tapscott, autores do livro “Blockchain Revolution: How the Technology Behind Bitcoin Is Changing Money, Business, And the World“, afirmam que o Blockchain representa a próxima geração da internet, com “potencial para transformar dinheiro, negócios, governo e sociedade”. Segundo eles, e concordo plenamente, Blockchain é descrito como “o primeiro meio digital nativo para troca de valores peer-to-peer.  Seu protocolo estabelece as regras que garantem a integridade dos dados negociados entre bilhões de dispositivos, sem a necessidade de passar por um terceiro confiável que ateste a autenticidade das transações. A confiança é embutida na plataforma.”.

Inovações disruptivas podem provocar mudanças revolucionárias não apenas em modelos de negócios, mas na própria maneira da sociedade se organizar. A invenção da máquina a vapor permitiu a criação de ferrovias e acelerou de forma substancial a revolução industrial. Cada revolução tecnológica nos traz um novo conjunto de princípios de senso comum, que muda como os negócios e a sociedade anteriormente operavam. A sociedade industrial criou as fábricas, a economia de escala e integração vertical, a produção em massa e a padronização de produtos. Nos trouxe a especialização (que se propagou pelo ensino, aprendizado e profissões), e também as hierarquias piramidais e a burocracia. Estamos hoje na quarta revolução industrial e vemos cada vez mais a sociedade operando em rede.

O excelente livro de Jeremy Rifkin, “The Zero Marginal Cost Society: The Internet of Things, the Collaborative Commons, and the Eclipse of Capitalism” nos leva a pensar que uma economia cada vez mais colaborativa tende a buscar estruturas organizacionais que não dependem de intermediários organizados em hierarquias, como bancos e autoridades certificadoras. Blockchain pode e deve ser visto como alavancadora desse modelo. Reduz custos operacionais, evita duplicação de esforços e consequentemente, não precisa de intermediários. Um exemplo típico desse potencial é Bitcoin, que demanda custos operacionais mais baixos que as moedas tradicionais e seu aparato de bancos e autoridades monetárias.

Ainda não sabemos o efeito da mudança social e econômica provocada por uma sociedade que não precise mais depender de governos para criação e emissão de dinheiro. Mas, com certeza veremos novas formas de moedas emergirem no futuro, onde a confiança proporcionada pela rede é que garantirá sua confiabilidade. Caso alguém não pague seu aluguel, sua carteira eletrônica será impedida de alugar qualquer outro imóvel, em qualquer lugar. Novos tipos de moeda poderão surgir, que não representam apenas valor monetário. Pode haver uma moeda para compra de bens e serviços e outra para educação. Pode-se agregar propósito e data de validade, através de “smarter contracts” a determinadas transações.   Podemos ter uma “votecoin”, moeda para eleições. As eleições e plebiscitos podem ser processos contínuos, que leva naturalmente a uma sociedade mais colaborativa, em rede.  Sim, parece meio insano pensar nisso hoje, mas não podemos fechar essa janela.

A convergência de tecnologias como Blockchain e a criatividade podem nos levar a mudanças radicais nos nossos modelos de negócios e estruturas organizacionais. Estamos ainda no início da curva de aprendizado de blockchain e temos muitos desafios pela frente, que vão desde tecnologias imaturas a falta de provas concretas que tais transformações possam realmente funcionar. Uma leitura instigante é o artigo publicado pela Singularity University, “In the Future, Ownerless Companies Will Live on the Blockchain”. O texto diz, de forma desafiadora: “The blockchain may then deliver the software smarts to eat away at parts of the economy we hadn’t considered. If tomorrow’s companies do own themselves, an entire machine-powered ecosystem of business transactions will emerge. It’s a mysterious future to fathom, but like the internet before it, human society after the proliferation of the blockchain will be as unfamiliar to us as anything we’ve experienced.

Também recomendo ler o livro de Melanie Swan, “Blockchain: Blueprint for a New Economy” para visões desafiadoras dos atuais modelos de negócio e organizacionais que estão tão arraigados em nossas mentes. Um bom começo é olhar as startups blockchain. Vejam o artigo “The Top 10 Blockchain Startups to Watch in 2016” com vídeos dos empreendedores. Dá para ter uma ideia do potencial de disrupção que visualizamos à frente.

O impacto potencial será profundo, afetando não apenas empresas, mas governos. Para governos, recomendo a leitura de um extenso documento gerado pelo Chief Scientific Adviser do governo britânico, chamado de “Distributed Ledger Technology: beyond block chain”. Blockchain, por permitir mais transparência nos contratos, novas formas de engajamento da sociedade com seus governos, pode contribuir para, entre outras coisas, diminuir significativamente a corrupção. Um estudo do World Economic Forum estima que o custo da corrupção global esteja na casa dos US$ 2,6 trilhões. Isso é mais que 5% do PIB global!

Portanto, Blockchain nos abre um potencial novo cenário que não deve ser minimizado ou ignorado. É verdade que Blockchain ainda permanecerá meio misterioso, meio incompreensível ainda por uns 2 a 3 anos, mas vai achar seu espaço e provocar disrupções. Por isso, sugiro olhá-lo mais que apenas uma tecnologia inovadora, mas como uma estratégia. E, não considerá-lo, em absoluto, um projeto de TI, mas um projeto que vai afetar o futuro dos seus negócios.

(*) Cezar Taurion é CEO da Litteris Consulting, autor de seis livros sobre Open Source, Inovação, Cloud Computing e Big Data