O futuro é móvel
Pressão pela adoção da mobilidade é realidade enfrentada pelos CIOs, que além de conciliar as expectativas da empresa ainda esbarram em questões mal resolvidas
Pense de quantas maneiras hoje é possível trabalhar sem estar necessariamente em sua mesa. As facilidades trazidas pelas tecnologias móveis se tornaram um diferencial competitivo para os negócios. Foi apenas a partir delas que informações críticas e decisivas, antes restritas ao ambiente interno das empresas, passaram a circular e se tornaram acessíveis aos funcionários a partir de qualquer lugar e em qualquer horário. Olhando por esse ponto de vista, não é surpresa, por exemplo, uma constatação do estudo “Antes da TI, a Estratégia”, produzido pela IT Mídia, em parceria com o consultor Sergio Lozinsky, e que analisou a opinião de 156 CIOs representantes das 500 maiores empresas brasileiras. Para 78,2% dos entrevistados, mobilidade representa a tecnologia que irá causar maior impacto nas empresas nos próximos anos. Além disso, a pesquisa também mostra que a mobilidade estará no foco dos investimentos da TI nos próximos meses para 81,4% dos CIOs.
Outro estudo, este produzido pela IDC, com 1,5 mil empresas latino-americanas, no ano passado, mostra que a média de uso de mobilidade no mundo corporativo é de 34%, sendo que, especificamente para o Brasil, esse porcentual é de 30%. Os números mostram que a TI está preocupada com o tema, mas, muitas vezes, esses olhos atentos vêm pela pressão exercida por parte do mercado, pelos CEOs e pelos colaboradores, que têm cada vez mais acesso aos dispositivos de última geração e não veem a hora de poder usá-los em seu dia a dia.
As empresas, é verdade, estão dando seus passos em direção à mobilidade, mas ainda se deparam com muitos pontos que não estão totalmente esclarecidos, como a segurança da informação e até questões trabalhistas. Todos esses dilemas e como as empresas têm apostado na temática foram discutidos durante o IT Mídia Debate, que contou com a presença de Margareth Ortiz, CIO do Hospital Sírio Libanês, Italo Flammia, CIO da Porto Seguro, Felipe Redondo, CIO do Banco Pine, e João Paulo Bruder, analista de telecom da IDC.
Na prática
Com mais de dez milhões de clientes, 1,5 mil prestadores de serviço e 15 mil funcionários, a mobilidade é essencial para os negócios da Porto Seguro. Como explica o CIO Italo Flammia, os primeiros passos em direção à mobilidade, chamada de por dele de “primeira geração”, foram dados em 1999, quando a TI criou um equipamento próprio que utilizava rádio UHF para estabelecer comunicação com os guinchos e acelerar o trabalho de assistência. Em 2004, no que ele chamou de “segunda geração”, esses equipamentos foram substituídos por aplicações embarcadas.
“Hoje estamos no que chamamos de terceira geração, na qual abrimos uma operadora móvel virtual, a Porto Seguro Conecta, para ter mais acesso aos serviços de telecomunicação, que são a corrente sanguínea da mobilidade. Essa infraestrutura é fundamental para o monitoramento do tráfego em tempo real, pelo qual conseguimos dizer ao guincho qual é o melhor caminho até o segurado”, explica Flammia.
No setor financeiro, em que a agilidade e a proximidade com o cliente são indispensáveis para aprovação de crédito, a mobilidade se torna um recurso importante para melhorar o fluxo dos negócios. Com essa linha de raciocínio, o Banco Pine iniciou um processo de automação do fluxo de aprovação do crédito que trouxe a disponibilização de informações sobre os clientes de maneira mais ágil para auxiliar nas decisões e avaliações dos executivos.
Como explica o CIO da instituição Felipe Redondo, apesar desse processo contar com ajuda de workflows, era muito difícil ter todo o fluxo acontecendo em um espaço de tempo que fosse razoável. “Queríamos colocar toda a participação do executivo no processo de decisão não só por meio de uma aplicação de desktop, mas também por BlackBerry”, comenta, lembrando que isso permitiu um fluxo sem interrupções, mesmo quando os executivos necessários à aprovação estavam fora da empresa. “A mobilidade entrou nos nossos processos e não tem mais como voltar.”
Já a área de saúde tem uma situação curiosa, embora seja um setor onde a transformação tecnológica demorou a chegar, até por conta da estrutura ainda familiar de diversos hospitais e centros médicos e da falta de uma cultura forte de se investir em tecnologia, o mercado tem observado um aumento do investimento e grande interesse por mobilidade. Obviamente, essa mudança tem tido impacto em todas as frentes, mas o uso do conceito móvel tem chamado a atenção. “A mobilidade na saúde é um fator crítico de sucesso e tem que caminhar no sentido de fornecer as informações que o médico precisa sobre o seu paciente. Não é apenas a medicação que dá o conforto ao paciente, é também o acolhimento”, explica Margareth Ortiz, CIO do Hospital Sírio Libanês. Para ela, um conceito factível e possível de ser aplicado atualmente está sendo trabalhado no sentido de trazer uma contribuição para que o prontuário do paciente seja alimentado com o máximo de informações possível. Como exemplo prático aplicado no hospital, ela cita os PDAs carregados em um cinto pelos auxiliares de enfermagem, por meio do qual é feita a administração dos remédios.
Paradigmas
Embora a mobilidade seja aplicada na prática de maneira diferente para cada uma dessas empresas, até pela natureza dos negócios, todas elas, e até os CIOs que assistiram ao debate, citaram como dificuldade a falta de aplicações que sejam capazes de entregar essas informações de forma ágil e simples independentemente da plataforma e dispositivo utilizados. Políticas de segurança e questões trabalhistas também foram citadas pela maioria dos executivos.
Margareth, do Sírio-Libanês, detalha que o hospital possui um sistema de informação que ainda não opera em plataforma web. Diante disso, ela mostra que uma das barreiras culturais enfrentadas é a expectativa dos usuários. “A aplicação desenvolvida tem que rodar no código para iPad e para Android, e os médicos não têm noção do que está por trás disso. Eles querem usar a aplicação no iPad no dia seguinte”, afirma.
Do mesmo modo, Redondo, do Banco Pine, explica que a implantação da aplicação para acelerar o fluxo de aprovação de crédito esbarrou em uma cultura de realização das operações por meio outros tipo de aprovação, enquanto os smartphones eram usados para leitura de emails. Mas concluído o projeto, ele conta que executivos que não esperavam por esse tipo de interação começaram a perguntar sobre novas aplicações móveis.
“É muito diferente desenvolver uma aplicação pra desktop do que para um smartphone ou tablet. É preciso saber o que você precisa apresentar, ser mais direto e mais ágil. Hoje já temos nossa vida em um celular, então, não adianta não olhar para o assunto. Temos que estar atentos ao que está acontecendo no mercado e não esquecer de que a segurança para as organizações é fundamental”, afirma Redondo.
Diante desses apontamentos, Bruder, analista da IDC, reconhece que há uma demanda pela mobilidade, sendo as aplicações o principal direcionador. “O futuro é móvel, não tenham dúvida disso. Todo esse ecossistema quer ir pra frente, quer que o índice de mobilidade aumente, seja com o cliente que gostaria de ter mais serviços como esses, seja pelos próprios funcionários”, ressalta.
Contudo, o especialista destaca que, para novos investimentos, o CIO precisa mostrar essa necessidade. Ele enfatiza que a TI deve se aproveitar do fato de ser uma das áreas mais monitoradas da empresa, no sentido de aplicar métricas para mensurar resultados, recomendando, assim, que o CIO tente identificar pelo menos uma área da companhia a receber esse benefício e, depois, fazer a implantação para, então, medir os resultados. “Assim, é possível ver que o índice de mobilidade está aumentando, porque você vai acompanhando os resultados. Comece com uma área, vá medindo e isso irá ajudar a expandir.”
A demanda por novas aplicações existe, mas medir esse retorno nem sempre é simples ou mesmo necessário. No exemplo citado pelo Banco Pine, o benefício foi reduzir pela metade o tempo despendido nos fluxos de aprovação, dando agilidade ao processo e melhorando o ambiente de negócio, já na Porto Seguro, para várias aplicações, não houve uma conta, já que a mobilidade funciona como viabilizadora do negócio.
“Nosso objetivo é que o guincheiro possa usar uma aplicação tablet, sem precisar do equipamento instalado no guincho, que o funcionário da moto possa levar um smartphone para ajudar na prestação do atendimento e que o cliente consiga acompanhar esse processo na tela e saber quanto o tempo irá demorar. A informação é a mesma para qualquer um dos dispositivos”, explica Flammia. Ele completa dizendo que acredita em uma grande expansão da mobilidade, com a chegada de novos devices, e que os CIOs devem enxergar isso como oportunidade de negócio.
Para a área da saúde, a mobilidade traz exigências e responsabilidades imprescindíveis, já que qualquer número errado, pode mudar a conduta do especialista. Entretanto, Margareth afirma que muitos recursos que poderiam contribuir para uma conduta mais assertiva ainda não são oferecidos a um preço acessível.
“Gostaríamos de trabalhar o voice recognition na evolução do paciente. A tecnologia está aí, isso é possível, mas como utilizá-la em prol da saúde a um preço acessível? A mobilidade é um fator crítico de sucesso para a nossa área, mas espero que a tecnologia venha de forma mais acessível”, pontua.
BYOD: estamos preparados?
Especialistas dizem que o movimento de traga seu próprio dispositivo (BYOD, da sigla em inglês) pode trazer inúmeras facilidades para as organizações, como a acessibilidade e o aumento de produtividade. Quando pensamos em quantas horas por semana alguns funcionários passam dentro de um taxi para se deslocarem durante o expediente, quanto desse tempo não poderia ser otimizado com a realização de tarefas por meio de dispositivos móveis?
No entanto, as companhias ainda não sabem como controlar o acesso às informações e como esses dispositivos serão usados dentro do ambiente de trabalho. Ítalo Flammia, da Porto Seguro, conta que a empresa, por enquanto, só permite que os funcionários de cargos de confiança tragam seus próprios dispositivos, porém, ressalta que esta é uma questão latente que ainda está sendo decida internamente.
Mais que uma questão ferramental, os CIOs ainda lidam com a questão das leis trabalhistas, que ainda não são claras quando o funcionário está em modo “móvel”. Na Porto Seguro, é feito um controle de quando o funcionário está de home office na qual a empresa consegue monitorar o total de horas trabalhadas. Contudo, a companhia ainda não consegue controlar as horas trabalhadas quando o mesmo traz o seu próprio dispositivo para o ambiente corporativo. “Até agora não tivemos nenhum problema, pois as aplicações estão sendo mais utilizadas por pessoas que não receberiam hora extra por estarem em cargos de confiança”, revela Flammia.
Fonte: CRN Brasil